Estado de goiás

assembleia legislativa

 

 

LEI Nº 19.723, DE 10 DE JULHO DE 2017

 

 

Institui a Política Estadual de Cuidados Paliativos e altera a Lei nº 16.140, de 02 de outubro de 2007, que dispõe sobre o Sistema Único de Saúde - SUS, as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização, regulamentação, fiscalização e o controle dos serviços correspondentes e dá outras providências.

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS, nos termos do art. 10 da Constituição Estadual, decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

Art. 1º Fica instituída a Política Estadual de Cuidados Paliativos, que consiste na fixação de diretrizes normativas centradas na prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, na melhoria do bem estar e no apoio aos doentes e às suas famílias, quando associados a doença grave ou incurável, em fase avançada e progressiva.

 

Parágrafo Único. As ações e os serviços da Política instituída por esta Lei serão operacionalizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e financiados pelo Fundo Estadual de Saúde (FES), na ação "Implantação, Promoção e Fortalecimento das Ações e Serviços em Cuidados Paliativos", constante do "Programa Promoção, Prevenção e Proteção à Assistência Integral à Saúde" (código 1028), na unidade orçamentária da Secretaria da Saúde (código 2800) e na unidade orçamentária do Fundo Estadual de Saúde (código 2850).

 

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

 

I - ação paliativa: qualquer medida terapêutica, sem intenção curativa, que visa diminuir, em ambiente hospitalar ou domiciliar, as repercussões negativas da doença sobre o bem estar do paciente. É parte integrante da prática do profissional de saúde, independente da doença ou de seu estágio de evolução, podendo ser prestada a partir do nível de atenção básica, em situações de condição clínica irreversível ou de doença crônica progressiva;

 

II - cuidados paliativos: cuidados ativos e integrais prestados a pacientes com doença progressiva e incurável, sem chance de resposta a tratamento curativo, sendo fundamental o controle da dor e de outros sintomas por meio da prevenção e do alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual. São cuidados prestados por equipes multiprofissionais, em ambiente hospitalar ou domiciliar, segundo níveis de diferenciação que devem incluir, ainda, o apoio à família e a atenção ao luto;

 

III - domicílio: a residência particular, o estabelecimento ou a instituição onde habitualmente reside a pessoa que necessita de cuidados paliativos;

 

IV - família: a pessoa ou pessoas designadas pelo doente ou, em caso de menores ou pessoas sem capacidade de decisão, pelo seu representante legal, com quem o doente tem uma relação próxima, podendo ter ou não laços de parentesco com o doente;

 

V - interdisciplinaridade: a definição e assunção de objetivos comuns, orientadores das atuações, entre os profissionais da equipe de prestação de cuidados;

 

VI - multidisciplinaridade: a complementariedade de atuação entre diferentes especialidades profissionais;

 

VII - paliação: toda medida que resulte em alívio do sofrimento do doente.

 

Art. 3º Os cuidados paliativos que, segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2002, devem ser iniciados o mais precocemente possível, serão disponibilizados preferencialmente em hospitais gerais de grande porte e em unidades de saúde onde se tratam de pacientes idosos, com câncer, com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou com doença crônica, cujo perfil predominante é:

 

I - ser portador de enfermidade avançada e progressiva;

 

II - possuir poucas possibilidades de resposta à terapêutica curativa;

 

III - apresentar evolução clínica oscilante, caraterizada pelo surgimento de várias crises ou necessidades;

 

IV - apresentar prognóstico de vida limitado.

 

Parágrafo Único. No perfil dos pacientes descrito neste artigo incluem-se aqueles em fase avançada de doenças como:

 

I - em adultos:

 

a) câncer;

b) SIDA;

c) síndromes demenciais;

d) doenças neurológicas progressivas;

e) insuficiência cardíaca congestiva (ICC);

f) doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC);

g) insuficiência renal;

h) sequelas neurológicas;

i) outras situações incuráveis e em progressão;

 

II - em crianças:

 

a) malformações congênitas severas;

b) fibrose cística;

c) paralisia cerebral;

d) distrofias musculares;

e) câncer;

f) SIDA;

g) outras situações incuráveis e em progressão.

 

Art. 4º São princípios da Política de Cuidados Paliativos:

 

I - assegurar a melhor qualidade de vida possível aos doentes e às suas famílias;

 

II - fornecer alívio para a dor e a outros sintomas como fadiga, dispneia, náuseas, vômitos;

 

III - reafirmar a vida e a morte como processos naturais;

 

IV - integrar os aspectos psicológicos, sociais e espirituais ao aspecto clínico de cuidado do paciente;

 

V - respeitar os valores, crenças e práticas pessoais, culturais e religiosas do paciente e de sua família;

 

VI - não apressar ou adiar a morte;

 

VII - oferecer um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente, em seu próprio ambiente;

 

VIII - oferecer um sistema de suporte para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível até sua morte;

 

IX - usar uma abordagem interdisciplinar para acessar necessidades clínicas e psicossociais dos pacientes e suas famílias, incluindo aconselhamento e suporte ao luto;

 

X - manter e aprimorar a saúde mental dos profissionais envolvidos com os cuidados do indivíduo no fim da vida, para que a qualidade dos serviços prestados sejam em nível de excelência.

 

Art. 5º A Política de que trata esta Lei tem os seguintes objetivos:

 

I - atender de forma progressiva às necessidades da comunidade, promovendo o acesso dos doentes aos cuidados paliativos nas diversas regiões do Estado, com possibilidade de atendimento o mais próximo possível da sua residência;

 

II - atender às necessidades dos doentes oferecendo uma gama completa de cuidados paliativos de forma diferenciada, seja em regime de internação, seja no domicílio;

 

III - promover a articulação entre os cuidados paliativos e os outros serviços de saúde já disponibilizados;

 

IV - garantir a qualidade da organização e da prestação de cuidados paliativos por meio de programas de avaliação e promoção contínua da qualidade;

 

V - criar condições para a formação de equipes em cuidados paliativos;

 

VI - criar equipes móveis de cuidados paliativos de nível I, nos termos do inciso II do art. 7º desta Lei;

 

VII - criar e desenvolver unidades de cuidados paliativos de níveis II e III, nos termos dos incisos III e IV do art. 7º desta Lei, com prioridade para hospitais universitários, hospitais com atendimento de alta complexidade e hospitais oncológicos;

 

VIII - criar e desenvolver unidades de cuidados paliativos de nível III com capacidade de diferenciação técnica na área de cuidados paliativos.

 

Art. 6º O paciente e seus familiares têm direito:

 

I - à informação, que deve ser clara e precisa, respeitando-se os limites da compreensão e da tolerância emocional do doente, proporcionando-lhes conhecimento da doença, sua forma de progressão, seu estágio de evolução e seu prognóstico de vida para que possa exercer o direito às escolhas necessárias com relação aos tratamentos que irá receber;

 

II - à assistência integral, garantindo-lhe acesso à assistência por uma equipe multidisciplinar, adequadamente treinada para a execução dos princípios dos cuidados paliativos, e receber assistência capaz de suprir suas necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais durante todo o período de sua doença;

 

III - ao alívio do sofrimento mediante terapêutica de alívio de sintomas e de todas as demais medidas, que precisam ser administradas em nível de excelência, em todos os momentos e em particular nos últimos dias de vida, prevenindo situações de extrema agonia para o doente e seus familiares, evitando que o ser humano morra em condição de sofrimento insuportável, seja ele de natureza física, psicológica ou espiritual;

 

IV - à facilitação ao acesso a medicamentos utilizados nos tratamentos exclusivos de cuidados paliativos, dentre estes, os opioides (morfina) de insumos orais e venosos;

 

V - à garantia de internação e retorno à unidade de tratamento, nos casos de descontrole dos sintomas;

 

VI - à identificação personalizada de pacientes de cuidados paliativos, para os casos de internação ou acesso em outras unidades de tratamento médico;

 

VII - à garantia de acesso do paciente de cuidados paliativos na unidade específica de tratamento;

 

VIII - à intimidade e privacidade, sendo que todo doente, durante internações hospitalares para seguimento da fase final da vida, deverá ter o direito de ser acompanhado por familiar ou por outra pessoa de sua eleição, respeitada a privacidade necessária para a resolução de seus conflitos mais íntimos, perdões e despedidas;

 

IX - à vida, não devendo utilizar-se de nenhuma terapêutica que possa abreviar-lhe a vida, inclusive em relação a doentes comatosos que devem ser tratados com dignidade e respeito;

 

X - aos cuidados imediatos após a morte, devendo o corpo ser cuidado com absoluto respeito e privacidade, permitindo-se as manifestações imediatas de despedidas e dor dos familiares, em atenção ao seu sofrimento, aos quais deverão ser dadas todas as orientações necessárias para os rituais de funeral, direitos sociais e responsabilidades com papéis e documentos.

 

XI - à assistência ao luto, sendo que os familiares devem ter acesso ao contato com a equipe cuidadora no período de luto, devendo ser auxiliada nessa fase a compreender o processo da doença, a evolução para a fase final, o tratamento recebido e os últimos eventos.

 

Art. 7º Os cuidados paliativos devem ser planejados em função dos seguintes níveis de diferenciação:

 

I - ação paliativa: representa o nível básico de paliação e corresponde à prestação de ações paliativas sem recurso ou estruturas diferenciadas ou especializadas, podendo ser prestada em regime domiciliar ou ambulatorial, no âmbito da rede de serviços básicos de saúde, respeitando o campo de ação das unidades inseridas nessa rede, dentro da sua competência e capacidade;

 

II - cuidados paliativos de nível I:

 

a) são prestados por equipes com formação diferenciada em cuidados paliativos e que estão permanentemente em processo de educação continuada nessa área;

b) estruturam-se por meio de equipes móveis que não dispõem de estrutura de internação própria, mas de espaço físico para sediar suas atividades;

c) podem ser prestados tanto em regime domiciliar quanto em regime de internação, articulando-se o fluxo com uma unidade assistencial de referência para esse último modelo de cuidados;

d) podem ser limitados à função de aconselhamento, com suporte nas dimensões sociais, emocionais e espirituais diferenciados;

 

III - cuidados paliativos de nível II:

 

a) são prestados em unidades assistenciais com internação própria ou em domicílio, por equipes diferenciadas que os prestam e que garantem disponibilidade e apoio durante 24h (vinte e quatro horas), compreendendo o âmbito de atuação da média complexidade;

b) são prestados por equipes multiprofissionais com formação diferenciada em cuidados paliativos e que, além de médicos e enfermeiros, incluem técnicos indispensáveis à prestação dos cuidados e de todas as dimensões que os encerram, como a psicológica, social, emocional e espiritual;

 

IV - cuidados paliativos de nível III, que se somam às condições e capacidades próprias dos cuidados paliativos de nível II as seguintes características:

 

a) desenvolvimento de programas estruturados e regulares de formação especializada e capacitação em cuidados paliativos;

b) desenvolvimento de pesquisa em cuidados paliativos, assim como de protocolos e condutas na área;

c) capacidade, por meio de equipe multidisciplinar completa e diferenciada, de responder ou orientar situações de elevada exigência e complexidade em cuidados paliativos;

d) são unidades de referência na área, compreendendo responsabilidades em formação, educação continuada, pesquisa, definição de protocolos de conduta e apoio técnico assistencial nas situações que necessitem do âmbito de atuação em maior complexidade.

 

Art. 8º A equipe profissional de cuidados paliativos será interdisciplinar, formada por médicos e enfermeiros, com a cooperação necessária de psicólogo e assistente social, cujas dedicações se quantificarão em função das necessidades concretas de atenção.

 

§ 1ºA equipe profissional de cuidados paliativos classifica-se em:

 

I - equipe básica: aquela que inclui médico e enfermeiro, com a cooperação de profissionais de serviço social e psicologia;

 

II - equipe completa: aquela que incorpora profissionais de trabalho social, psicológica, fonoaudiologia, nutricionista, farmacêutico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e suporte espiritual;

 

III - equipe de referência: aquela que realiza funções de referência na complexidade assistencial associadas à formação avançada universitária e investigação.

 

§ 2º Voluntários e assistentes espirituais representam condição ideal em todos os níveis de atenção e sua presença deve ser estimulada em todas as equipes, desde que adequadamente treinados nos princípios dos cuidados paliativos, para que não haja choque de linguagem e atitudes que estimulem a geração de falsas esperanças ou de expectativas irreais.

 

§ 3º O número de profissionais que formará a equipe se estabelecerá em função dos recursos disponíveis para a prestação do serviço e da tipologia dos pacientes a atender.

 

§ 4º A equipe de profissionais de cuidados paliativos disporá de capacitação avançada, atualização e avaliação periódica de conhecimento e supervisão por órgão oficial ou sociedade competente.

 

Art. 9º São recursos materiais necessários para o desenvolvimento das atividades em cuidados paliativos:

 

I - estruturas assistenciais, como consultórios equipados, unidades com leitos de internação adequados, áreas de convivência para pacientes e familiares, leitos-dia para execução de pequenos procedimentos;

 

II - estrutura para atendimento domiciliar, como transporte, insumos, medicamentos essenciais para solução de crises;

 

III - comunicação interpessoal, como telefone, localizador, fax, correio eletrônico;

 

IV - arquivo documental;

 

V - acesso aos serviços de apoio de organização, como secretaria, arquivo, biblioteca;

 

VI - acesso e conexão com diferentes recursos e sistemas.

 

§ 1º A necessidade de recursos materiais deve se adaptar ao número de profissionais da equipe e às atividades a serem realizadas, como internação, consulta, hospital-dia, atendimento domiciliar, consultorias, e dependerá da estrutura de desenvolvimento da equipe (níveis I, II ou III).

 

§ 2º Os espaços físicos que se destinem à comunicação e ao trato com o paciente, o familiar e os cuidadores deverão permitir o respeito à intimidade e à segurança das pessoas.

 

§ 3º A unidade de hospitalização deverá se organizar de maneira que seja permitida a presença permanente da família, em um ambiente caloroso e humano.

 

Art. 10 Para a consecução dos objetivos da Política instituída por esta Lei e para viabilizar os recursos e a infraestrutura necessários à sua manutenção, poderão ser estabelecidas parcerias entre o Poder Público Estadual e outros órgãos governamentais, federais ou municipais, e organizações não governamentais e empresas privadas.

 

Art. 11 Em razão da instituição da Política de que trata esta Lei, a Lei nº 16.140, de 02 de outubro de 2007, passa a vigorar acrescida da seguinte alteração:

 

"Art. 9º ......................................................................................

 

................................................................................................. 

 

XXXIV - executar, acompanhar e avaliar a política de cuidados paliativos.

 

........................................................................................."(NR)

 

Art. 12 As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta do Fundo Estadual de Saúde (FES), vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), e dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

 

Art. 13 O descumprimento às determinações desta Lei sujeita o infrator às seguintes penalidades:

 

I - advertência;

 

II - multa; e

 

III - interdição de estabelecimento.

 

Parágrafo Único. Quanto às penalidades previstas neste artigo aplicam-se as disposições dos arts. 157 a 172 da Lei nº 16.140, de 02 de outubro de 2007.

 

Art. 14 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, 10 de julho de 2017, 129º da República.

 

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR

 

Leonardo Moura Vilela

 

Este texto não substitui o publicado no D.O. de 12-07-2017.